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                                               J.S.Bach - Artigos / Simbolismo
 

                             Simbolismo em J.S.Bach

   Sempre tentamos definir um termo para logo podermos tratar dele.Tarefa que muitas vezes , não é fácil.

   Do grego "symbolon", sinal, marca de reconhecimento, signo, contrasenha. Ernest Cassirer, filósofo alemão que se aprofundou na Teoria dos Simbolos (1923 1929), dizia que o homem é um “animal simbólico”, quer dizer, dispõe de uma faculdade criadora de símbolos (symbol – forming power) pela qual tudo o que produz é simbólico.

   A palavra Símbolo em sentido amplo significa um objeto natural ou cultural, que, por convenção, representa outro em relação ao qual é heterogêneo em relação a ele, mas que tenha coincidência de forma e conteúdo."O peixe simboliza Cristo" ou "a coruja simboliza a filosofia"bem como "o cetro simboliza a realeza" ou "a bandeira ,o país,a nação".Os primeiros, fruto de objeto natural produzido pela natureza, os outros objeto cultural produzido pelo trabalho humano,que corresponde ao momento cultural e histórico deles."A raposa simboliza a astúcia" e "o leão,a força". Entre a raposa e a astúcia (embora a raposa seja um animal e a astúcia uma qualidade que os homens possam ter), há uma analogia próxima, pois a raposa é um animal astucioso. O mesmo podendo se dizer do leão.
Esses são exemplos típicos.

   Ao pesquisarmos o que significa o termo em alguns dicionários, encontraremos como características:

- conteúdo relacionado com o espiritual, místico, sobrenatural e subconsciente: idéia metafísica - crença em forças superiores e desconhecidas, predestinação,sorte.- conhecimento intuitivo e não lógico. - ênfase na imaginação e fantasia.-preferência para momentos incomuns:amanhecer,entardecer - linguagem ornada, colorida, estética que busca a sugestão e não a narração.

Nos rituais, na liturgia, na arte devocional e na literatura religiosa muitos tipos de expressão simbolica são frequentemente combinados. O simbolismo seria; uma forma de representação artística e de gestos, usada para chegar a conceitos, principalmente religiosos. E isso desde tempos imemoriais. Em nenhum outro domínio é tão grande a heterogeneidade entre símbolo e o que se procura simbolizar. A religião procura re-ligar o homem ao Deus, o princípio e fim de sua existência.

   A arte pictórica pode ser simbolicamente interpretada pela adição de uma explicação verbal ou mesmo pela música. Muitas vezes essa arte descreve  textos e idéias religiosas e usa formas humanas, objetos da natureza, cenário, arquitetura sacra e símbolos particulares. É de se salientar que um desenho pode receber sua interpretação pela inscrição de uma explicação verbal; de outro modo em uma ilustração de texto religioso ou sinal interpreta o texto. Em contrapartida nos símbolos verbais e musicais também pode ser levado em conta o valor do silêncio nas coisas sagradas, nos rituais, palavras simbólicas, gestos, cores e desenhos,sinais, odores ( incenso )e elementos básicos musicais como tons, ruidos, melodias, harmonias e vários instrumentos incluido a voz humana, combinados.
   Os efeitos sonoros podem ter carácter espiritual e podem ser usados buscando contato com o mundo sagrado. Isto pode ser feito por meio de tambores, gongos, sinos, etc.


  A relação "Ideias e Música" é de especial importância quando o mundo sagrado é trazido para a música ou quando esta interpreta o mundo sagrado. O cristianismo (medieval e moderno no Ocidente) tem dado boas contribuições nesta área.

   O mundo simbólico pode ser enriquecido em seu significado quando lhe é dado uma forma musical. Textos bíblicos ou liturgia podem ser cantadas em várias vozes simultaneamente, por diferentes melodias.Isto é estruturalização dos simbolos em um todo coerente,processo esse que pode ser encontrado nas artes visuais.

Certo é que o simbolo ativa o pensar, já que o seu sentido intencional tem de ser interpretado!

      Os símbolos na música só podem ser em casos excepcionais "código puro" como o motivo B - A - C- H  tão usado. Entrando mais no grande compositor Johann Sebastian Bach (1685-1750), o maior organista e compositor para órgão de toda a historia, notamos as melodias explícitas "doutrina de figuras" que criaram equivalentes musicais para a figura da palavra na arte da retórica. Estas figuras, intimamente relacionadas, são exemplos de simbologia pictórica em que Bach escreve em "escala crescente" para significar palavras que vão desde "a morte" , ou "escala cromatica descendente" significando "uivo de dor para palavras de tristeza". Isto ocorre só em conexão com palavras em música vocal e prelúdios corais onde as palavras do coral estão na mente do autor. Essa conexões não existem no seu "Cravo Bem Temperado", por exemplo. A.Schweitzer e A.Pirro atribuiram o pictórico à "pintura no som"
( Klangmalerei ), supondo que Bach o entendia assim. Pictorialismo parece ser uma ferramenta de expressão. Pode tornar-se mais abstrato ainda, como no caso do simbolismo numérico, fenômeno observado nas palavras de Bach frequentemente, o que não deve ser ignorado. Na "Paixão Segundo São Mateus" é razoavel que a questão “Herr, bin ich’s?” Significa: Senhor, sou eu? deve ser repetido 11 vezes ( uma para cada discípulo) mas a busca deliberada por tal simbolismo na música de Bach pode ir mais longe...praticamente qualquer número pode ter simbologia 3,6,7,10,11,12,14,41. São só alguns exemplos. É fácil encontrar números simbólicos em qualquer lugar,mas não se pode supor também, que sempre tenham significado.

    Bach  tinha um aluno predileto ( atire a 1ª pedra quem não tiver...) chamado Ziegler.  Conforme ele, o conselho do mestre para se tocar os corais ao órgão, era que se tocasse expressando o afeto, o conteúdo simbólico e o emocional do texto.Daí a importância de se conhecer o texto  para bem interpretá-lo.

     A seguir os exemplos de alguns corais de "Orgelbüchlein"  ( o livro com título despretencioso, Pequeno Livro de Órgão, onde todas as formas de coral estão apresentadas com rigorosa concisão e admirável concentração de recursos técnicos: coral contrapontístico, figurado, em cânone, com aumentação e diminuição, ampliações e variações de uma melodia, são ilustradas de uma forma breve e perfeita. É impressionante como o texto se transforma em música, e como a originalidade da obra tem a ver com o contraponto que sempre se manifesta plástico e expressivo em relação ao texto. O simbolismo  aí contido tem várias versões.  Alguns  exemplos: os motivos corais  "Acabou o ano velho" ( nº 16) ,"Homem, chora tua grande culpa" (nº 24) e "Quando estamos na mais profunda miseria" (nº 42) , são peças em que a melodia se dilui numa rica ornamentação.Em "Das ist vergangen Alte Jahr", Bach tem

manifesta dupla expressão de tristeza: para lamento usa sucessão de notas juntas em par; dor torturante vem em motivo cromático de 5 ou 5 notas. Segundo Albert Schweitzer, músico, teólogo, médico famoso, o  mótico suspiro é encontrado bem claro no O Lamm Gottes (nº 20) é o motivo sofrimento desesperador nas configurações do Orgelbüchlein.

   As linhas  descendentes são características dos corais de Advento e Natal. " Agora  vem o Salvador dos gentios"

(nº 1),"Louvor seja dado a Deus todo poderoso " (nº 4) ,"Nasceu um menino em Belém" (nº 5). No coral nº 9 "Do céu desceu um coro de anjos", sentimos nas linhas ascendentes e descendesntes a presença e a alegria dos anjos.  Um exemplo de melodia ascendente é encontrado no (nº 18) "Do mundo parto alegre, em paz", e uma profunda alegria nos corais (nºs 7 e 17 ) "Eis o dia de alegria e "Em ti está a alegria" onde também se pode "achar" uma cruz no ostinato do baixo.

   Dos 7 corais da Paixão, quatro estão compostos em forma de cânone. Esta forma simboliza, na linguagem musical de Bach, o inexorável da lei que conduz à morte na cruz.   
   O coral  "Cordeiro de Deus, inocente" (nº 20)  apresenta além do cânone à quinta, um entremeado motivo de lamentos, com uma sucessão de suspiros (apogiaturas breves) assim criando uma atmosfera de tristeza pungente.

   No nº 23 "Quando Jesus pendia da cruz" o pedal se arrasta pesadamente com as sincopes.  O movimento ascendente dos corais de Páscoa é acentuado por intervalos também ascendentes de quarta e quinta, como se nota no pedal do (nº 30) "Cristo ressuscitou".

   O passo triunfal é representado pelo baixo ostinato em "Hoje triunfou o filho de Deus" (nº 32). No coral 36 "Eis os 10 mandamentos" a repetição constante da primeira frase é o prazer que Bach tinha em explorar o simbolismo numérico.O motivo do contraponto apareceu exatamente 10 vezes nessa obra. Seu nome dá 2+1+8=14.J.S. Bach = 41. Bach era fascinado pelos nº s 14 e 41 e brincou muitas vezes em cima disso. Ele usou dessa ferramenta em várias obras, fora do Orgelbüchlein, mas vamos nos ater mais aqui.

   Vamos citar o famoso coral  de nº 38 "Com a queda de Adão" tudo se perverteu", a queda está simbolizada pelos saltos descendentes de 7ª no pedal, descrevendo o pecado e a alternação de Maior e menor (fá# e natural), a vacilação da humanidade, enquanto uma voz contralto ondulante retrata a serpente no paraíso. Por fim, as sombrias vozes intermediárias e a nulidade da vida do homem, representadas pelos saltos em pizzicato do baixo, que dão a sensação de futilidade,mesmo.
    O livro está assim dividido, de acordo com o calendário litúrgico:
 
Advento...........................nº 1
Natal................................de 2  a 19
Paixão.............................de 20 a 26
Páscoa............................de 27 a 32
Pentecostes.....................de 33 a 35
Doutrina...........................de 36 a 39
Consolação......................de 40 a 45
 
   Esse encontro de simbolismo e religiosidade só poderia acontecer com Bach mesmo,  pois ele escrevia a frase "Solo Deo Gloria" em suas obras. Sua fé certamente nfluenciou sua música e ele concordou com Lutero que a música é um dom de Deus e uma ferramenta para fazer o ouvinte mais receptivo à Sua Palavra.
 
  A seguir, alguns nºs do Orgelbüchlein", livro de meditaçções para órgão sobre hinos luteranos, importantíssimo para alunos do instrumento.
Nº  7  -profunda alegria pelo caráter da música. Observe-se a linha intermediária fazendo o vaivém de um berço, obviamente, o do menino Jesus.
Nº  9  -também natalino, com interessante movimento de anjos do céu.
Nº 17 -exaltação da alegria em Cristo, parece ter o desenho de uma cruz no ostinato da pedaleira.
Nº 19 -representa por seus movimentos de linhas que nem bem se concluem e paradas de respiros, a ansiedade e a impaciência do homem na terra.
Nº 20 -forma usada na maioria dos corais da Paixão, o cânone, é o inexorável da lei que conduz à morte. Não tem outra saída. Aqui, vem entremeado por  motivos (apogiaturas) de lamento.
Nº 23 -aí o pedal se arrasta com peso usando sincope,como a dizer algo do título "Quando Jesus pendia da cruz".
Nº 32 -o passo triunfal é representado pelo baixo ostinato da pedaleira.
Nº 38 -a queda de Adão é simbolixada pelos saltos descendentes de 7ª no pedal. No contralto há uma indecisão entre fá M e m, e uma linha sinuosa que imita uma serpente.
Nº 45 -nota-se aí o caráter efêmero da peça,as sombrias vozes intermediárias e a nulidade da vida do Homem, nos saltos em pizzicato, do baixo.
 

Foram consultados  os livros/textos:

   Cantagrel,Gilles. La Musique D´Orgue- Editora Fayard,Paris,1991.
   Encyclopedia Britannica - Macropedia.Vol17,nº15th edition,Chicago,1979.
   Enciclopedia Mirador Internacional- Companhia Melhoramentos de S.Paulo, S.Paulo,1975
   Geiringer,Karl. Johann Sebastian Bach- O Apogeu de uma Era. Editora Vohar Rio,1985.
   Mersiovski, Gertrud-Organo Pleno e Retórica Musical  Nos Prelúdios e Fugas de J.S.Bach-Rio de
   Janeiro:Dois PAssos,2005. Sindicato Nac.dos Editores de Livro.


  Textos:

   de David R.Maxwell- Martin Luther and Music, 
   de Ernst Cassirer-Philosophie der Symbolischen Formen,Berlin.1929

Compilação e estudos - Organista Anne Schneider
Revisão de Texto - Carlos Eduardo Gastal

 


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